Se você já ouviu o termo Cuidados Paliativos então provavelmente o relacione com o tipo de cuidado que é feito para alguém que está em “fase terminal”, quando não há mais nada a ser feito, fora de possibilidade terapêutica. Restando apenas amenizar o sofrimento durante o processo de morte. Pois bem, isso não é Cuidado Paliativo.
Você e eu fomos educados para pensar que toda ação médica curativa, ou seja, toda ação para curar o paciente deve ser feita sempre de maneira prioritária. Isso está tão enraizado na nossa sociedade que tudo que mais queremos quando um candidato a algum cargo público, seja ele de vereador, prefeito, deputado, governador ou presidente da república, apresenta seus projetos ou plano de governo, é que inclua como prioridade a construção de hospitais e a contratação de profissionais de saúde, não é verdade?
Nada contra os hospitais e profissionais da saúde, eles são essenciais. O problema é que quando mantemos isso como prioridade estamos admitindo que somos uma sociedade que prefere tratar a prevenir. Só que tratar é muito mais caro que prevenir e tem muita gente poderosa ganhando muito dinheiro com o seu adoecimento e das pessoas que você ama. Por isso querem que você pense em saúde exatamente como você pensa hoje.
Mas isso não é um fenômeno recente, há décadas nosso sistema de saúde, seja ele público ou privado, vem sendo moldado para ser como ele é hoje. Quem aqui não se lembra do INAMPS ou INPS (Se essas instituições não são da sua época vale a pena dar um google e ver como era nossa saúde nos anos 70 e 80.)?
E o que isso tem a ver com os Cuidados Paliativos? Tudo a ver.
Nós nos tornamos uma sociedade intervencionista na saúde. Em outras palavras, nós aprendemos que primeiro adoecemos (ou suspeitamos de estarmos doentes) e só então vamos ao hospital, desejosos que intervenham na nossa saúde, e quanto mais graves estamos mais intervenção desejamos. E quando essa intervenção não é mais capaz de produzir cura, se inicia uma nova etapa de intervenções, que é chamada erradamente de Cuidados Paliativos.
O verdadeiro Cuidado Paliativo começa cedo, assim que se descobre uma doença que ameaça a vida. Inclusive, o diagnóstico precoce dessas doenças é característica marcante dos cuidados paliativos. O esforço de saúde não é mais apenas para curar o paciente ou retardar sua morte no esquema custe o que custar, porque pensar assim custa algo que o dinheiro não pode comprar, a dignidade da pessoa humana. O esforço agora é para prevenir que a doença se agrave ou surjam novas doenças oportunistas, aquelas que se aproveitam da debilidade causada pela doença preexistente. E, consequentemente, alivie o sofrimento e, muitas vezes, até impede que ele chegue.
Perceba que quando agimos tendo como base os Cuidados Paliativos o profissional de saúde não é mais o protagonista, mas sim o paciente, e isso é uma enorme mudança de paradigma.
Observe agora como a Organização Mundial de Saúde – OMS, em 2002, define Cuidados Paliativos: "Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos espirituais.”
Essa definição revela a figura do paciente não mais como um corpo doente, mas como um ser humano completo, repleto de emoções, de vida espiritual, de relacionamentos interpessoais e de uma carreira profissional.
É incrível que, quando o paciente é visto dessa maneira, ele passa a Viver muito mais. Não necessariamente em tempo de vida, mas vive com V maiúsculo, ou seja, ele desfruta mais da sua existência justamente por ter sua identidade mantida.
É impossível não chegar agora numa óbvia constatação, expressa como a resposta de uma pergunta: onde esse tipo de Cuidado Paliativo acontece? Claro que preferencialmente na casa do paciente ou de algum ente querido, em alguns casos em casas de repouso e raramente em hospitais.
E você sabe quanto custa, em média, o valor de uma diária na UTI de um hospital (local onde normalmente acontece as internações de pacientes em Cuidados Paliativos)? Cerca de R$2.234,00, em alguns hospitais passa de R$5.000,00. Esses valores são apenas das diárias, sem contar o gasto com medicamentos e insumos.
Percebeu agora por que tem tanta gente interessada que você não saiba a verdade sobre os Cuidados Paliativos, a prevenção de doenças e a educação em saúde? Essa é uma indústria que movimenta milhares de milhões de reais a cada ano, enquanto que uma simples mudança de foco para a prevenção e a compreensão adequada do que de fato são os Cuidados Paliativos, economizaria milhões de reais e devolveria para você e seus amados a dignidade de viver e morrer bem.
Cuidados paliativos são uma demonstração de amor e uma afronto ao sistema de saúde do país. Os cuidados paliativos diminuem o lucro dos hospitais, colocam o paciente como protagonista da sua vida e devolve a dignidade para as famílias.
Antes de encerrar uma coisa mais precisa ser dita sobre os cuidados paliativos, ele não é feito seguindo protocolos. Não são como receitas de bolo que são seguidos cegamente, aplicando o mesmo para todos que necessitam. Não, os cuidados paliativos não são assim. Ele tem como suas bases de sustentação princípios norteadores para o cuidado, fazendo com que seja totalmente personalizado.
Esses são alguns dos princípios:
Promover o alívio da dor e outros sintomas desagradáveis.
Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida.
Não acelerar nem adiar a morte.
Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente.
Oferecer um sistema de suporte que possibilite o paciente viver tão ativamente quanto possível, até o momento da sua morte.
Esses princípios surgem inspirados nas ideias de uma distinta mulher, Cicely Saunders, pioneira nos cuidados paliativos no mundo, que dizia:
“Ao cuidar de você no momento final da vida, quero que você sinta que me importo pelo fato de você ser você, que me importo até o último momento de sua vida e, faremos tudo que estiver ao nosso alcance, não somente para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para você viver até o dia de sua morte.”
Repito, a falta de compreensão do que são os Cuidados Paliativos rouba a dignidade das pessoas.
Palear vem do latim pallium, significa proteger, fazendo alusão a capa que cavaleiros medievais para se protegerem do sol, da chuva, das tempestades, do frio, etc. Me mostre alguém que esteja doente ou idoso que não precise de proteção e refutarei tudo que foi escrito até aqui.
Enquanto você e eu não entendermos, de verdade, o porquê de a saúde em nosso país ser como ela é. Enquanto não vermos as verdadeiras intenções que sustentam de pé essa falta de humanidade que permeia tantos lugares e veladas filosofias de trabalho, que buscam o lucro pelo lucro custe o que custar. Enquanto não mudarmos nossa forma de pensar e agir, nada, absolutamente nada será diferente. E agora como você vai pensar?
Realmente eu achava que cuidados paliativos era somente aquele para pacientes terminais…e prevenir é muito melhor que tratar. A cultura de tratar no lugar de prevenir está enraizada na sociedade, infelizmente.